domingo, 21 de outubro de 2007

Parte da entrevista concedida à Carta Capital pelo jornalista norte-americano Jon Lee Anderson, autor de "Che Guevara - Uma Biografia" (Ed. Objetiva).


Comentando a resportagem de capa da Veja: "O artigo de Veja é ridículo! Baseado em fontes parciais e comprometidas, sem nenhuma novidade, é um exemplo singular de jornalismo barato, ou seja, construído a partir do nada, mas com objetivo de fazer sensacionalismo. Embora aparente ser jornalismo investigativo, na realidade é puramente tablóide."

CartaCapital: É verdade que Che Guevara se acovardou em seus últimos momentos, dizendo: "Não disparem. Valho mais vivo do que morto"?
Jon Lee Anderson: Não me consta e francamente duvido disso. Tudo leve a crer que, pelo contrário, demonstrou muita coragem em seus últimos momentos, como havia demonstrado antes. Não se acovardou. Isso é invenção para desacreditá-lo.

CC: Che foi um assassino frio e cruel? Tinha prazer em matar?
JLA: Che queria mudar o mundo. Não foi cruel. Foi, isso sim, uma pessoa muito severa (mas totalmente justificado pelas normas de guerra) na guerrilha cubana com traidores, desertores e demais. Executou algumas pessoas e ordenou a execução de outras. Depois do triunfo, presidiu os tribunais para criminosos acusados de delitos pelo antigo regime, tais como tortura, violação e assassinato. Centenas deles foram julgados e justiçados. Posteriormente, houve uma tentativa de um grupo de críticos da revolução cubana de reviver essa época e apresentar o Che como uma espécie de assassino em série, como fez Veja. A verdade é que Che se comportou como um soldado encarregado de uma tropa em precárias condições e com responsabilidade de um oficial. Não fez nem menos nem mais do que qualquer outro militar confrontado com situações de vida ou morte. (...) Ninguém nunca acusou Che e seus combatentes de haver matados soldados inimigos capturados, nem os feridos que encontraram. Ao contrário: Che os socorreu pessoalmente ou providenciou para que fossem socorridos. Em alguns casos libertou soldados presos, à diferença da tropa de Batista, que assassinou rebeldes capturados e civis simpatizantes também. Descontextualizar as ações de Che na guerra, além de tendencioso, é totalmente absurdo do ponto de vista histórico.
(...)

CC: Che matou gente com suas próprias mãos?
JLA: Que soldado não mata? A guerra é um teatro bélico no qual os homens enfrentam sua própria morte e tentam matar os inimigos para que não os matem.

CC: A biografia do Che é a história de um fracassado, como defendem alguns?
JLA: Isso depende da ótica política de cada um, obviamente. Eu acho que o legado do Che é mais inspirador do que derrotista. Quer dizer, é certo que ele não trinufou em seus esforços para fomentar a revolução em países como o Congo e a Bolívia. Mas o legado que deixou, de que um homem pode tentar mudar o mundo e que pode deixar um exemplo que estimule outros a segui-lo - inclusive depois de morto -, é mais duradouro. Universalmente, o Che é, fracassado em vida ou não, visto como um herói, um símbolo de rebeldia e princícpios diante de um status quo injusto. Isto é o que enlouquece os de direita, o que os incomoda: que Che siga potente como um símbolo, um mártir, um herói. Que herói eles têm para ostentar a raiz da Guerra Fria, alguém que a garotada queira pôr em camisetas? Pinochet???

CC: O senhor é um fã de Che? Acredita que ele seja um herói?
JLA: Sou seu biógrafo, não um fã. (...) O Che tem meu respeito, isso é verdade. (...) Se no meu julgamento tinha aptidões de herói? Sim. Viveu de uma forma muito heróica, sobretudo ao final. E morreu com valentia. Isso, como sempre foi através da história, o faz um herói. Assassinar um homem ferido e depois esconder seu cadáver, isso é covardia. Qualifica-se como um crime de guerra.


Em outra reportagem, "Che Morreu de Pé", Maurício Dias escreve:

Enquanto isso, algumas cervejas tinham dado novo ânimo a Terán, que voltou para prisão de Che. À sua chegada, Guevara (amarrado pelos pulsos à frente do corpo) levantou-se e exclamou: "Sei porque está aqui. Estou pronto". Terán lhe respondeu: "Está errado. Sente-se", abandonando mais uma vez o local. (...) Ao ver Terán entrar de novo o prisioneiro levantou-se mais uma vez para enfrentá-lo. Terán mandou que ficasse sentado, mas Guevara respondeu: "Agora quero ficar em pé". Enfurecido, o sargento o intimou para que sentasse. Mas Che perdeu a calma: "Saiba que está matando um homem" (...).
(Relatório do Exército norte-americano - 28 de novembro).


(Carta Capital, 17/10/2007, pg. 49, 50 e 51)

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