terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Um breve relato de um brasileiro que esteve na Venezuela

Um amigo me mandou...



Os Miseráveis fazem história: um breve relato
de um brasileiro que esteve na Venezuela
Henrique T. Novaes
Pessoal, resolvi botar no papel minhas impressões sobre a Venezuela. Evidentemente elas são incompletas e “impressionistas”. Em alguns momentos, tentei amarrar o que eu já havia lido sobre este país com o que presenciei.
Cheguei bem de noite em Caracas. Logo peguei um táxi bem antigo, quase caindo aos pedaços. O senhor que dirigia o Táxi era muito amável e um defensor – pra não dizer que venerava o “comandante” Chávez.
Fui para a Venezuela com o objetivo de matar três coelhos. Ir ao encontro de Economia Política, fazer algumas visitas às cooperativas deste país e entrevistar algumas pessoas nos ministérios.
O congresso de economia política serviu para evidenciar a morte da economia política. A meu ver, estamos perdidos. Nós economistas estamos bem atrás dos cientistas políticos. Os venezuleanos, muito piores que os outros latino-americanos. Não tem tradição em economia política. Ainda assim, parece que eles têm muita vontade de recuperar o tempo perdido. Uma nova vertente da economia política latino-americana parece brotar, trabalhar de forma menos sufocada que nos anos 1990 ou reatar os laços históricos rompidos em nossos países nos últimos 40 anos. Chávez criou a Escola Venezoelana de Planificação justamente para suprir essa demanda, mas parece que está tudo muito improvisado, feito na “galega”, sem um projeto muito claro. Eles têm dinheiro e uma belíssima infra estrutura criada em muito pouco tempo, mas parecem não ter uma rota muito clara. Estão precisando de cabeças pensantes e parecem aceitar com bons olhos as contribuições de outros países.
Conhecemos o Núcleo de desenvolvimento endógeno “Fabrício Ojeda”. Nele, parece haver uma revolução invisível principalmente devido ao papel dos cubanos na medicina de cunho popular. Para os que não sabem, os médicos venezuelanos têm (ou tinham?) uma nítida formação de classe. Somente pensavam em ascender profissionalmente, querem carreira, prestígio e poder. Dale pequena burguesia! Tem horror ao seu povo, consideram-no como uma gentalha (será que há alguma semelhança com os brasileiros...?)Querem subir na vida, ter carro do ano, etc. Eles se negaram a realizar os projetos do Chávez e assim foram chamados os cubanos. São 30 mil. Hoje, pra sorte ou azar do povo, já há médicos “sensibilizados” para as causas da saúde pública. Eles estão sendo formados com uma certa urgência, como tudo na Venezuela.
Os relatos do povo da favela são interessantíssimos. Dizem que agora se sentem como seres humanos. Tem tratamento decente, que vai desde a ginecologia até odontologia e cirurgias. Um povo que sempre foi massacrado e nunca teve vez na história, parece agora respirar e ser dono da sua história. Ainda na área da medicina, Chávez quer realizar 6 milhões de cirurgias de catarata gratuitas. Já iniciou este processo.
No mesmo núcleo de desenvolvimento endógeno, há cooperativas de produção de calçados e roupas, além de um mercado comunitário a preços baixíssimos chamado “Mercal”. As cooperativas têm 60% de sua produção atreladas às demandas do Estado, principalmente da PDVSA.

Para os que não sabem os empresários venezuelanos muito conscientes da classe que pertencem, estão sabotando, boicotando e fazendo todas as manobras possíveis pra deslegitimar a transformação em voga. Chávez, muito esperto, criou o Mercal e os “megamercal” para frear a inflação e dar uma resposta a este boicote. Nos megamercal, a população sofre numa fila interminável, mas compra os “bens básicos”, arroz feijão, frango,etc. Aliás, diga-se de passagem, a Sadia está ganhando muito dinheiro naquelas terras. A venezuela importa 80% do que consome. Ou é petróleo ou nada. Estão tentando criar a 9 anos uma política de susbtituição de importações. Basta ver os gastos com agricultura e com a indústria leve para se ver que em algum momento a importação vai diminuir......
No núcleo ainda há uma escola de pedreiros que estão testando e construindo casas com tecnologia apropriada, as “Petrocasas” e são ajudados por uma engenheira com viés social da PDVSA que está aplicando suas idéias.
Nos ministérios, a conclusão que tiro é a de que Chávez carece de quadros para realizar sua revolução. É impressionante a falta de quadros ou funcionários do Estado capazes de implementar as diretrizes gerais esboçadas pelo presidente. É como se a Venezuela tivesse um grande líder, um movimento social muito frouxo ou até mesmo inexistente, mas que vem caminhando a passos largos e um vazio no meio. A sensação que me dá ao visitar e entrevistar membros da burocracia venezuelana é a de que predomina a tentativa e erro, o improviso, a ausência de um plano ou projeto de transformação. Para sorte ou azar deles, há muito dinheiro e a possibilidade de realizar inúmeras correções de rota. Mas até quando poderá durar isso? Convivem inúmeras diretrizes e experimentações.

Ao mesmo tempo que a criatividade e o improviso sinalizam a possibilidade de ousar e corrigir a rota ao longo de um caminho.... elas nos mostram que há a ausência de um projeto bem preciso de transformação social. E isso pode ser perigoso.

Achei muito mais fácil entrevistar as pessoas dos ministérios da Venezuela do que na Argentina. É mais difícil “pegar” os argentinos, fazer eles dizerem a verdade. Parecem ser bons propagandistas. Os venezuelanos são mais sinceros, abrem o jogo, contam a realidade....
A elite está furiosa. A mídia, o verdadeiro partido de oposição, cria fantasmas e difunde os mesmos na classe média. O que achei mais curioso é que a TV afirma que Chávez irá colocar um negro na casa de cada membro da elite.
O trânsito é um caos. Aquele velho ditado que diz que devemos olhar para os dois lados antes de atravessar a rua é extremamente válido para o caso da Venezuela. Os carros e os ônibus são muito antigos. Para encher um tanque na Venezuela, basta 4 reais. O metrô é baratíssimo e de excelente qualidade, às vezes muito frio. As mulheres são bundudas e peitudas, além de ser muito bonitas. Darcy Ribeiro estava certo.
O povo é pobre, vive na miséria, mas é feliz, como todos os latino-americanos. Isso é incrível! Como pode um povo mergulhado na miséria ser tão feliz? São descontraídos, alegres, carinhosos com os brasileiros. Tem em sua memória vários episódios de massacre, entre eles o Caracazo é o mais destacado. Há relatos de 3000 a 10000 mortos que se rebelaram em função da alta do preço do petróleo, alimentos, transporte, etc promovida por Carlos Perez. O povo saiu às ruas para “saquear” produtos. O Estado repressor desceu a lenha no povo. Para os que não sabem, 80% dos venezuelanos vivia na mais absoluta miséria em 1989.

Agradecem muito o envio de petróleo por Lula durante o “Paro Petrolero” e acreditam que isso foi decisivo para a continuidade da revolução. Disse um rapaz de um ministério que os navios brasileiros chegaram com mulatas sambando. Que loco! Temos que averiguar...Não entendem direito o que se passa no Brasil. Como nos desconhecemos! A sujeira da cidade é incrível. O semáforo é um enfeite. A palavra “casco”(capacete) não existe na Venezuela. O povo é sofrido, mora nos morros e trabalha que nem condenado. A informalidade é imensa, atinge 50% da população. Os informais são os que mais veneram Chávez, suas vidas parece ter melhorado substancialmente....
Chávez fez uma campanha para economizar energia. Quando se olha as favelas, observa-se que a maioria das casas agora tem luz branca (sendo um símbolo de que são chavistas).
A Universidade Central da Venezuela é hiper conservadora, ainda que fissuras - cérebros pensando a revolução. Os estudantes desta universidade são da elite e se declaram anti-chavistas, fazem passeatas contra o governo e tem atitudes fascistas.

Chávez criou e vem criando um sistema universitário paralelo para a massificação do ensino, muito centrada na formação, dando pouca atenção à pesquisa, ao menos neste momento. Parece haver uma crítica implícita às profissões liberais e um indício de que estão formando alunos com compromisso público: médicos comunitários, agroecologia, economistas públicos ou economistas políticos (aqui a guerra parece difícil). Estas universidades são muito politizadas, e muitos desses estudantes parecem em alguns casos repetir frases ocas, parecendo robôs. Por outro lado, parece nascer uma nova geração de alunos compromissados com a emancipação do povo latino-americano.

Para terem uma idéia da quantidade, o sistema “oficial” tem 450 mil estudantes. Nos últimos 9 anos, Chávez criou 350 mil vagas em novas universidades.
Sobre o debate entre autogestão, co-gestão, propriedade do estado com control obrero, propriedade comunal, etc a “classe trabalhadora” (se é que existe, pois tudo na Venezuela é ou informalidade ou petróleo) parece mais perdida que os quadros dos ministérios. A cada dia mudam de opinião, seguem experimentando, tentando, também sem um rumo definido. É impossível descrever o que se passa nessas fábricas pois o que você descreve num dia já não vale para o mês seguinte. É impossível ser pesquisador na Venezuela, dada a dinamicidade (existe essa palavra?) e a inconstância do país.
O que a TV brasileira mostra, manipula e friza? Friza que Chávez poderá se eternizar no poder. Manipula e descontextualiza as imagens dos protestos. Cria um estado de terror e abusa do sensacionalismo. “Esquece” de mostrar a hiperdescentralização do poder via criação de “conselhos comunais”, onde 200 pessoas de qualquer bairro (inclusive da elite) podem receber dinheiro diretamente do estado central para implementar projetos no bairro. Os prefeitos estão furiosos também
Chávez distribui nas praças públicas diversos livros. Um dos que me falaram é o dom quixote, mas há inúmeros outros. Está restaurando os prédios públicos, investindo em cinema para o povo. Publicou algumas das obras de Oscar Varsavsky, o melhor latino-americano na área de Ciência e Tecnologia. Está colocando o povo em teatros que somente eram freqüentados pela elite. Colocou todo mundo de novo na escola. Convivem diversas propostas e dale novamente experimentação. Algum critico das políticas públicas poderia me salvar, pois um problema persiste no meu relato: a política de educação, trabalho, etc deveria ter um norte bem claro (isso não significa avaliar ao longo do caminho e corrigir a rota) ou apostar na hiper experimentação, convivencia de muitíssimas propostas, sem um rumo muito definido)? Na venezuela, todos as vertentes do marxismo, anarquismo, desenvolvimento endógeno, etc parecem ter vez....
Sobre a política cooperativista, eles reconhecem que no começo esteve muito centrada na oferta de crédito. Isso foi um fracasso quase total. Hoje, parecem corrigir a rota e frear ou dar maior apoio para a criação das mesmas....

Sobre a política de Ciência e Tecnologia, sofrem de esquizofrenia e transtorno bipolar. Basta ver alguns documentos do ministério pra constatar que há inúmeras idéias progressistas-socialistas e a continuidade com o passado (discurso schumpeteriano, empresarial, etc). Derrapam em vários momentos e trazem novidades.
O que ainda tenho dúvida é sobre a eternização de Chávez. Convivem no mesmo espaço os CHAVISTAS, os Chavistas, os chavistas e os que estão com chávez por que reconhecem o processo histórico, mas não criam nenhum tipo de idolatria. Os últimos tem criticas ao presidente, não são cegos.

O problema da Venezuela é justamente o fato de que os movimentos sociais ainda são muito frouxos ou não existem. O que mais me impressionou, enquanto proto-movimento social foi o “frente campesino Ezequiel Zamora”. Jamais foi esquecer destes moleques que largaram a Universidade para lutar ao lado do povo, o povo da terra. É a coisa mais curiosa do mundo. A pergunta que fiz: há lideres mais velhos, pois na reunião só tinha jovens. São muito conscientes, enfatizam muito a tática e a estratégia (paulo, lembrei de você sobre a inversão entre projeto e táticas, “curto prazismo”, a predominância da prática, etc). O MST está lhes ajudando na área de educação, ...O povo venezuelano está se armando pois teme um novo golpe. Reconhecem a fragilidade da sociedade venezuelana e por isso acreditam que sem a continuidade de Chávez por um largo tempo, todas as mudanças desmoronarão. Parece ser uma faca de dois gumes: se sai chávez, a sociedade desmorona. Por outro lado, pode haver a criação de novos caudilhos/eternização de “líderes” (alguém poderia me ajudar a esclarecer isso?). Não sei se sou muito ingênuo, mas parece que os venezuelanos em geral não vêem o Chávez como um deus. Vêem de forma mais pragmática e com razoável consciência do atual momento histórico (sem chávez o país se dilacera/explode). Algo mais ou menos assim. “sempre estivemos na merda, sufocados, trabalhando até a exaustão e agora aparece um presidente que implementa diversas políticas que melhoram nossas vidas” Nesse sentido, aquilo que a mídia brasileira parece frisar não é importante pra eles. O que é mais importante é o como sua vida tem melhorado, desde a participação em comitês de bairro, mais direitos para os informais, melhora da auto-estima. Se isso for verdade, os miseráveis estão fazendo história.

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