sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Choque de gestão, o charlatanismo grandiloqüente

Os cidadãos dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul podem nos dizer, com mais propriedade, o que vem a ser esse tal "choque de gestão". Os tucanos são os mercadores monopolistas dessa grife mentirosa e vazia.

Lula Miranda

A fala do presidente Lula, quando expressou, há alguns dias, em alto e bom som, que choque de gestão, na sua visão, era criar empregos e oportunidades (ou algo nessa linha) foi manipulada e descontextualizada, de maneira capciosa, pela grande imprensa, de sorte que, ao final, ficou parecendo que o presidente havia dito uma enorme sandice, uma temeridade que sugeria “irresponsabilidade” e “incompetência” – o que não é, em absoluto, verdade. Não utilizarei esse espaço para defender as palavras mal ditas pelo presidente, mas para questionar esse remédio amargo vendido como verdadeira panacéia por muito charlatão engravatado que circula por aí vestindo a fantasia de homem público competente e probo – travestindo assim a realidade, a verdade dos fatos.

Em seguida, logo após a repercussão das palavras de Lula no noticiário, esses veículos, estrategicamente, abriram espaço para tucanos emplumados abrirem o bico e exibirem as cores enganadoras de sua plumagem. Li, dentre outros, um artigo do governador Aécio Neves, um outro do economista Yoshiaki Nakano (guru desse, vamos dizer, “chocante” modo de governar tipicamente tucano) e mais um punhado de alguns outros colunistas e articulistas. Esses últimos, jornalistas muito bem remunerados pelo exercício da sabujice aos “donos do poder”, confortavelmente abrigados na grande imprensa – onde mais?

No caso específico do artigo do governador (reeleito em seu estado, diga-se), o que se vê é mera propaganda enganosa, cujo repertório de “argumentos” reduz-se à enumeração e divulgação de supostas (e questionáveis) realizações de seu governo. Os demais fazem uma costura, muito mal cerzida, um arrazoado de sofismas muito mal “arrematado”. Questiono, por exemplo: pode se considerar mérito de algum governo pagar os salários de seus funcionários – e, veja bem, pagar “em dia”! O artigo do governador diz ser meritório. Caberia uma pergunta: os funcionários públicos de MG têm recebido reajustes salariais que contemplem, pelo menos, a recuperação das perdas inflacionárias? Isso também – a exemplo de pagar em dia – deve ser considerado apenas mera obrigação de qualquer governante. Não há mérito algum nisso. Ou estou equivocado? Pelas informações e notícias que me chegam, o funcionalismo público de Minas Gerias há muito não recebe reajuste salarial. Aliás, vale frisar, o tratamento dispensado aos servidores públicos nas gestões tucanas é baseado em princípios nocivos, desrespeitosos, desumanos mesmo. Os tucanos, como se sabe, são os mercadores monopolistas dessa grife mentirosa e vazia do “choque de gestão”.

A ministra Dilma Roussef foi uma das poucas vozes, no governo e no PT, sensatas e ponderadas o suficiente, para dizer, com rara propriedade, clareza e assertividade (característica essas tão raras nas nossas autoridades), que “choque de gestão” é mero recurso de propaganda. Ponto final. Touché, ministra!

O tal “choque de gestão”, emblema da (in)competência tucana na gestão da coisa pública, propiciou, só para citar um exemplo, que as concessões de exploração das estradas paulistas se realizassem com a custa de pedágios altíssimos, escorchantes mesmo. O mesmo processo, agora tocado pela ministra Dilma (a mesma que trata com o devido desdém o tal “choque de gestão”), parece ter obtido resultados muito mais favoráveis ao erário e aos usuários das nossas estradas. É só comparar as tarifas de pedágio cobradas nas estradas paulistas e as que serão cobradas nas estradas federais – uma vez que a comparação entre serviços prestados só poderá ser feita quando esses serviços efetivamente começarem a ser prestados, por óbvio. Sim, o modelo, eu sei, é diferente – mas enfim não seria esse o melhor modelo?

“Choque de gestão” é apenas uma expressão de efeito, grandiloqüente, cara aos charlatões com suas drogas milagrosas. Mera malandragem retórica, completamente destituída de sentido ou conteúdo. É uma ferramenta para o marketing político – apenas isso. Na cidade de São Paulo, o marketing político, do à época prefeito Paulo Maluf, teve a “sacada genial” de construir, às margens das principais avenidas (portanto, com máxima visibilidade), prédios populares batizados, com efeito, de “Cingapura”. Esses prédios eram construídos em terrenos onde antes existiam favelas – existiam e continuariam a existir, esclareça-se. A estratégia era a seguinte: construía-se ali dois ou três prédios, resolvia-se assim o problema de uns poucos sem-teto do local. O restante daquela população permaneceria na mesma favela, ali mesmo nas cercanias, agora oculta/escondida pelo portentoso prédio. A verdade estava por detrás da bonita e providencial edificação. Perceberam a jogada? Mas qual seria então a verdade/realidade que procura ocultar esse famigerado biombo do “choque de gestão”. Reflitamos sobre isso.

Você sabe, o que diferencia o remédio do veneno é a dosagem. Da mesma maneira, uma descarga elétrica controlada pode salvar uma vida e reanimar um ser humano à beira da morte. Mas uma descarga elétrica pode também eletrocutar um indivíduo, levando-o a morte. Da mesma maneira o tal “choque de gestão” pode, isto sim, levar à falência do Estado ou da máquina pública – em vez de melhorá-lo(a) ou aperfeiçoá-lo(a).A estratégia de gestão tucana é, por todos, sobejamente conhecida. Conduzem, paulatinamente, os órgão e empresas do Estado à ruína: cortam recursos para investimento e custeio, demitem funcionários e, aos poucos que restam, pagam salários vis e desanimadores. Salários baixos traduzem-se em baixa produtividade, pois, como conseqüência imediata desse estado de coisas, vai fosso abaixo a auto-estima dos funcionários, levando-os ao desalento e a mais completa falta de motivação. Mas, aos olhos da sociedade, a culpa será sempre dos servidores “preguiçosos”, “que não gostam de trabalhar”. Os gestores tucanos fazem isso, não somente por incompetência ou porque são maus gestores; fazem-no para debilitar a estrutura do Estado e assim justificar/legitimar futuras terceirizações e privatizações – fontes sub-reptícias e primeiras do caixa 2 que virão a irrigar e fortalecer a máquina partidária. Estabelece-se assim uma promíscua e providencial relação de simbiose (ou seria parasitismo?) entre o público e o privado.

Devemos, por exemplo, de saída fazer a seguinte pergunta: qual a produtividade que desejamos? Seja na esfera do funcionalismo público ou do privado. Aquela produtividade que visa, em primeiro lugar, o bem-estar do trabalhador ou aquela que visa tão-somente o acúmulo de capital – levando a mais-valia a um, antes impensável, paroxismo? Sim, pois existem, pelo menos, dois tipos de produtividade. A deletéria (ou produtividade ruim), que é aquela que é incentivada também, claro, com intuito de se obter redução de custos, mas que é obtida a qualquer custo, pagando-se o preço (altíssimo) da deterioração da saúde do trabalhador: o estresse e outras complicações e transtornos emocionais? Ou a produtividade boa, que é aquela obtida quando se propicia ao trabalhador boas condições de trabalho e salários mais justos? No “choque de gestão” tucano, ou nas empresas do chamado “hiper-capitalismo” predatório, com sua sanha voraz, um trabalhador chega a fazer o trabalho de três ou quatro como resultado de um “enxugamento” progressivo do quadro de pessoal.

Essa fórmula/receita gerencial e a “competência” dos gestores tucanos, capatazes do neoliberalismo ou do “hiper-capitalismo” predatório, é por demais conhecida e não tem nada a ver com eficácia, eficiência ou competência administrativa (ou de gestão). É por demais batida: cortar gastos e investimentos, reduzir os custos com pessoal (por intermédio de cortes ou congelamento de salários), comprometer (sabotar) a qualidade dos serviços prestados, terceirizar e privatizar.

Os paulistas já sentem na carne os efeitos do “choque de gestão” tão propalado pela grande imprensa e posto em prática na gestão Geraldo Alckmin – como foi na de FHC e, agora, na de José Serra. Desnecessário dizer (ou relembrar) aqui das condições em que se encontram hoje a educação, a segurança e a saúde pública no estado de São Paulo. Isso sem falar no desmonte/destruição realizado no patrimônio público e na máquina de um modo geral. Não à toa Alckmin, bem como seus correligionários, em geral não sabem dar uma resposta ao rótulo de “privatistas” ou debater gestão pública com a necessária seriedade.Com a palavra os cidadãos dos estados de Minas, São Paulo e Rio Grande Sul. Esses poderão nos dizer, com mais propriedade, o que vem a ser esse tal “choque de gestão”.


(Lula Miranda é economista, poeta e cronista. É secretário de Formação para a Cidadania do SEEL – Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de SP. Integra o Coletivo de Formação da CUT São Paulo)

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